Página 59 - Rubens Gerchman - O REI DO MAU GOSTO

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que eu faço, e arte pura, cujo destino é a fome”. Quando Gerchman sonha-
va desenhar, o pai lhe ensinava a desenhar em papel milimetrado. Nessa
impossibilidade de integrar os ideais, abriu-se um caminho solitário.
Retratos de uma memória
Ser filho de imigrantes é geralmente sinônimo de classe média. Nasceu na
clínica de São Sebastião. Cresceu em Ipanema, na Rua Prudente de Moraes,
686, nº 7, numa casa de vila. Na esquina da Montenegro com Prudente de
Moraes ficava o bar do Veloso onde ele ia cotidianamente comprar sorve-
te e olhar, com uma curiosidade irreprimível, aos compositores de música
Bossa Nova. Ipanema era seu mundo. A Fundação Getúlio Vargas, Colégio
Nova Friburgo, sua escola. Ali tinha um professor de desenho que estimu-
lou sua sensibilidade através de um método no qual as notas dependiam
da quantidade de desenhos que os alunos faziam. Gerchman sempre tira-
va a nota máxima. Realizava desenhos criativos de paisagens, de florestas
e animais que copiava dos livros dos
Fauves
.
Seus amigos de colégio foram e permanecem sensíveis às letras, desde
aquele período: Armando Freitas Filho, Camargo Mayer e Carlos Rodrigues
Brandão sempre quiseram ser poetas. Sensibilidade essa que ele também
sentiu próxima, e que se adaptava às formas que lhe haviam transmitido
desde menino.
O primeiro livro de arte, dado por Isaac, um irmão de seu pai que veio da
França viver com eles, era sobre Van Gogh. Isaac era um inventor, um enge-
nheiro que encantava Rubens ao consertar rádios e criar aparelhos estra-
nhos, o tempo todo; que acumulava dejetos do mundo a fim de os reciclar
depois. Com latas de sardinhas, lsaac construía desde objetos eletrônicos
até pequenas caixas que lhe serviam de mini-armários onde guardava sis-
tematicamente todos aqueles elementos provenientes da vida cotidiana.
Sua presença foi fundamental na vida de Gerchman, que, com ele, apren-
deu a armar mundos e, quando morreu, herdou suas ferramentas e sua
paixão pela construção de objetos. O primeiro desses mundos imaginários
foi um teatro, onde atuavam algumas personagens que Gerchman dese-
nhava sobre papel. Ele as colava em cartão e para sustentá-Ias, prendia-as
a uma vareta. As suas representações infantis eram totalmente ligadas à