Página 58 - Rubens Gerchman - O REI DO MAU GOSTO

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da Rússia ucraniana. Seu mundo familiar estava impregnado de um am-
biente artístico porque o pai, que havia vivido em exílio contínuo, era de-
senhista, um publicitário que interpretava as tendências do Art Déco e as
inquietudes geométricas da Bauhaus. Mira Herschmann chegou ao porto
do Rio de Janeiro acossado pela perseguição nazista, com a convicção de
que o Brasil seria a terra de seus filhos. Chegou desgastado por este mundo
de perseguições. Não possuía passaporte, apenas um papel que o identifi-
cava e que trocava arbitrariamente o nome de Gerchman por Herschmann.
Assim, só, com a identidade franqueada, falando francês, russo e alemão e
com uma maleta, integrou-se logo em uma sociedade em expansão, que
lhe permitiu trabalhar em sua própria arte um dia depois de sua chegada.
A mãe de Rubens, Sara, é uma brasileira filha de russos de Odessa, que
sempre encontrou no bordado e na tapeçaria uma forma de construir o
seu mundo – que ela vê, irremediavelmente como um conjunto harmônico
de remendos.
Rubens Gerchman era o primogênito de uma família judia que o fez seguir
as imagens de sua cultura. Reuben é o primeiro dos doze filhos do patriar-
ca Jacob, aqueles doze que foram também as tribos de Israel. Segundo a
Bíblia:
Reuben, tu és meu primogênito, minha fortaleza e o princípio de meu
vigor: primeiro em dignidade, primeiro em poder.
Assim, desde o começo, e
por diversas circunstâncias que foram aparecendo em sua história pessoal,
ele primará por uma dualidade enriquecedora que lhe marcará a vida.
É um brasileiro íntegro, herdeiro de tradições européias, um judeu que se
educou juntamente com a versão generalizada do cristianismo brasileiro.
É um homem que tem vários nomes, porque de Ruben passou a Rubens e
herdou o equívoco arbitrário de Herschmann. Todo este complexo micro-
cosmo pessoal reúne argumentos que nos fazem pensar: ele é um artista
que, desde o princípio, pôde assumir a versatilidade, acostumou-se à mul-
tiplicidade e aprendeu, desde a infância, a compreender o olhar distante
do estrangeiro que observa os fenômenos sociais para entendê-Ios e, desse
modo integrar-se a sua pátria. Não é à toa que uma de suas principais obras
dos anos 60, uma
Carteira de Identidade
, dizia:
Sou 1566166, logo existo.
As condições econômicas familiares foram adversas. Ele cresceu com suas
convicções, mas ao mesmo tempo recorda frases peremptórias de seu pai,
que lhe dizia: “Na Europa aprendi que há dois tipos de arte, arte aplicada, a