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babeI. É não ser eu fora de casa o mesmo ser que vim me fazendo desde
o nascer, é o medo do outro. Na rua perdemos a identidade doméstica e
pelo menos no Brasil, onde existo, desde então não conquistamos outra.
Ficamos perdidos.
Pareceu-me que foi essa a identidade que redescubro entre o passante na
avenida, eu, e o autor que vejo no quadro que da vitrine da galeria me con-
vidava a conhecer a exposição. Entrei. E dentro vi com o prazer e a confusão
que têm esses momentos, sem conseguir o raciocínio que só hoje armo,
apenas vi, e foi-me um encontro ver o que o meu espírito se perguntava
sendo também perguntado pelas multidões amassadas que da tela me
espiavam, querendo ser alguém. Não um alguém especial, como parece
implícito nesta expressão de bolero, mas simplesmente um alguém, um
ser de si mesmo, e não a milionésima aparência do barro que diz-se ser a
forma do primeiro semelhante.
A exposição
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era de Rubens Gerchman, a sua, e para mim, primeira, Rubens
que vim mais tarde a conhecer e com ele a trocar figurinhas. Trabalhamos
juntos, repetimos, mesmo que as não materializemos propriamente em
palavras, as sensações comuns que sentimos e que absorvemos em nossa
existência. Passou ele um percurso de idas e re/voltas, e eu, da avenida,
passei também pelos caminhos que todos semelhantemente atravessa-
mos.
Neste caminho, registrou ele o contato com o mundo através de matérias
e ideias, materiais, o quadro, a tinta, a prensa, a impressora, papéis, a ma-
deira, as imagens e as palavras. Serão as palavras rostos na multidão dos
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Rubens Gerchman: Pinturas, objetos, desenhos e serigrafias
. Catálogo da exposição. Rio de
Janeiro: Galeria Relevo, 1967. (N.O.).