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ROSTOS NA MULTIDÃO
(1978)
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Sergio Santeiro
Percorrerá talvez cada pessoa os mesmos passos que levaram o mundo
das cavernas de um só às externas em que a vida se multiplicou. Nascemos
singulares, um a um, nus, de dentro de nossas mães e vamos encontrando,
primeiro um a um, o outro, o pai, depois os outros, os parentes, os amigos,
em grupos, em escala crescente, e súbito eis-nos finalmente imersos na
realidade em que somos ainda singulares indivíduos mas similares a mi-
lhares, milhões, bilhões de outros.
Andando em Copacabana, a primeira grande pequena metrópole brasilei-
ra, o anonimato da multidão que em levas cruza as ruas, banha-se na praia,
mora os edifícios, compra e se vende a preços vários, aparece inequívoco
como a grande revelação para mim, vivendo na trágica década dos sessen-
ta: o anonimato é a anemia da vida.
Ser e não ser, quando e como, é toda a tragédia. Traço que estará na base
da crise brasileira, não sei se universal, desde então, foi também o traço
indagador que vi um dia ao passar na porta de uma galeria – a Relevo – per-
to de minha casa, andando eu na avenida, em meio a meus semelhantes
identicamente sem identidade.
Não se trata de uma ilusão nostálgica tipo saudades da integridade da vida
em natureza no campo em que nunca vivi – não é o paraíso perdido; é a
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SANTEIRO, Sergio.
Rostos na multidão
. Maio de 1978. In:
Rubens Gerchman
. Rio de Janeiro:
Funarte, 1978. (N.O.).