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dirigia o carro e eu ia no banco de trás. Graças a Deus, eram carros imen-
sos com um verdadeiro sofá no banco de trás. Podíamos parar em alguns
lugares desertos e ter momentos românticos de calma para conhecer as
meninas - que nos davam um trabalho imenso. O cinema também me in-
fluenciou, todos aqueles filmes sobre juventude com cenas de carros. Acho
o Elvis Presley uma figura extraordinária, transmitia uma liberação sexual,
a guitarra com seu corpo feminino e ele fazendo todo aquele gestual.
Como você vê amistura entre obras tão intelectuais e outras tão populares
na sua produção?
Aparentemente é uma contradição, mas hoje vejo com tranqüilidade. Con-
tinuo escrevendo nos meus quadros, eu gosto disso. Talvez seja uma con-
tradição muito grande mesmo... Eu estava no aeroporto de Buenos Aires
uma vez e minha tia, que viria a falecer dentro de poucos meses, entregou-
-me uma caixa de sapatos contendo cerca de 25 passaportes de minha fa-
mília, inclusive de pessoas que eu desconhecia, e mais algumas fotos. Ela
me disse: “Isso aqui é tudo o que carreguei desde a Rússia, é a nossa me-
mória”. Fiquei com aquilo e vi que aquela era a minha identidade. Come-
çamos a entrevista falando de identidade. Eu sou isso. Esses passaportes
sou eu. Bolei um gigantesco passaporte e imprimi tudo em litografia, um
processo muito complicado, fui fazer na Colômbia com um amigo meu
que teve a coragem de imprimir todos aqueles passaportes em chapas e
litografias
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. Encontrei um poema de um amigo de infância sobre a dupla
personalidade. Tem também isso das pessoas que deixam seus lugares,
vão para outros e assumem novas vidas, identidades, personalidades, ca-
rimbos, se casam e formam famílias. Tudo isso mexe comigo, não consigo
separar esse mundo do texto e do pensamento. A imagem eu não aban-
dono, sempre estou trabalhando com ela, e o texto é, para mim, sempre
intrigante.
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GERCHMAN, Rubens.
Dupla Identidade.
Bogotá: Arte dos Grafico, 1994. Livro de litografias
com texto de Armando Freitas Filho. (N.O.).