Página 77 - Rubens Gerchman - O REI DO MAU GOSTO

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ENTREVISTA COM RUBENS GERCHMAN
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Fábio Magalhães
Você se projeta como artista nos anos 60 e passa a ser um dos grandes
inovadores da linguagem plástica no Brasil, junto com Antonio Dias, Hélio
Oiticica e Lygia Clark, embora estes dois últimos sejam de uma geração
anterior à sua. É uma década de grandes transformações, ummomento de
grande ebulição nas artes plásticas, no cinema, no teatro. Você é uma das
figuras centrais desse período. Usando como exemplo uma obra sua feita
nos anos 60, sua carteira de identidade, chamada
Sou 1 566 166 logo existo
,
conte-nos um pouco sobre essa nova identidade cultural que se formava
naquele tempo.
Na realidade criou-se uma ambigüidade na minha vida. Tenho dois nomes,
ou seja, não tenho uma identidade e simuma dupla identidade - expressão
que virou o título de um trabalho que fiz 25 anos depois sobre passaportes,
dando continuidade ao da carteira de identidade. Sempre fiquei intrigado
com o fato de as pessoas precisarem ter um número para ser identifica-
das. Meu nome de família é Gerchman, mas meu nome nos documentos é
Herschman. Sou filho de imigrantes - meu pai, que se chamava Mira, mo-
rou muito tempo em Berlim -, e o sobrenome dele foi traduzido quando
ele entrou no Brasil e apresentou uma folhinha de papel que não era exa-
tamente um passaporte, era apenas uma autorização para ingressar no
país. Uma espécie de
laissez-passer
, também conhecido como passaporte
Nansen, para aqueles que haviam perdido sua nacionalidade, como era o
caso de meu pai. Ele chegou ao Brasil em um navio cargueiro numa sexta-
-feira e na segunda-feira seguinte, começou a trabalhar no jornal O Globo.
Cresci visitando a agência de publicidade que meu pai formou e ficava ven-
do como funcionava a parte gráfica, observando os desenhistas. Meu pai
me levava em uma clicheria, a única na qual confiava, para ver as retículas.
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In: MAGALHÃES, Fábio.
Rubens Gerchman.
São Paulo: Companhia Editora Nacional: Lazuli
Editora, 2006. (N.O.).