70
É uma notícia – vítima de um crime passional: UM AMOR IMPOSSÍVEL/A
BELA LINDONÉIA DE 18 ANOS MORREU INSTANTANEAMENTE. A suposta
manchete cerca, por cima e por baixo, a moldura que cerca o retrato. Entre
o universo público do texto jornalístico e a intimidade do rosto encontra-
se o mundo doméstico da moldura decorada, mas o mesmo tempo, além
do deslocamento de esferas, a moldura acrescenta relevo e contrasta
materialmente com a superfície plana, chapada, sem perspectiva. Mas em
Gerchman o
ready made
não é recurso dadaísta, não choca nem ironiza.
Identifica o universo de origem de
Lindonéia
– distante dos bairros da
classe média afluente, que já cultivavam o design.
Lindonéia
tem o estilo
dos subúrbios.
A rigor,
Lindonéia
não é um retrato, apesar do seu subtítulo –
A Gioconda
dos subúrbios
– nos atrair nessa direção. É fragmento do fragmento da nova
paisagem. Esta, não contemplamos mais na natureza, e sim nas primeiras
páginas dos jornais. A nova paisagem é formada das figuras do imperativo
urbano: política, crises, crimes, guerras. Tudo se passa nas cidades, e
Lindonéia
seria um pedaço de jornal que seria um pedaço da cidade. Não
fosse a moldura, que domestica e privatiza
Lindonéia
, e permite que, em
princípio, sendo uma de muitas anônimas Lindonéias, se individualize e se
transforme na
Lindonéia
de Rubens Gerchman, cantada por Caetano.
O movimento plástico do quadro, muito simples, rude mesmo, obedece ao
trânsito brutal da vida urbana, não àquele dos automóveis ou pedestres,
mas ao da identidade no cotidiano que é obrigada a se dividir, semmaiores
sutilezas, em múltiplas representações nos diversos universos em que
circula: da multidão, do profissional, do privado. Fazendo e se refazendo
“todo dia (...) tudo sempre igual”, a não ser que a tragédia interrompa esse
destino, como aconteceu com
Lindonéia
.