Página 64 - Rubens Gerchman - O REI DO MAU GOSTO

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pelas esquinas, gente de todas as classes sociais. Bebiam um vinho de gos-
to adocicado e enjoativo. Viviam em grupos, com seus pesados sobretu-
dos comprados em algum Army Supply Store. Dormiam, tomavam banho
ou cortavam o cabelo nas casas de caridade. Eles bebiam literalmente até
cair, cortando-se às vezes com cacos de garrafas quebrados. Uma manhã,
tentando sair do meu apartamento, não consegui abrir a porta. Chamei
um vizinho, olhamos pela janela. A neve da noite anterior, muito alta, se
acumulava na porta, impedindo a passagem. O corpo de um homem, con-
gelado, jazia sob a neve.
Vivências como esta, somadas mais tarde às de Berlin e às da violência no
Rio, foram plasmadas em obras como
Os Policiais da Chacina Verão Boca
Mole
,
Barreira do Vasco
e a série
Registro Policial
.
Em Chichen-Itzá, caminhando um dia por suas avenidas amplas, dei por
mim numa praça de esportes. Mais precisamente num campo de “juego
de pelota”, futebol praticado com os joelhos e com os ombros e onde – por
mais inacreditável que possa parecer – os derrotados erammortos no final
das partidas decisivas do campeonato. Descobri, nas pedras que o cerca-
vam, figuras esculpidas formando uma espécie de cinta que envolvia toda
a lateral até à baliza, ela mesma um grande aro de pedra com a figura de
um jaguar no local por onde a bola deveria entrar.
Baixando os olhos verticalmente me deparei com crânios e esqueletos em
baixo relevo. Um deles me revelou criatura familiar: Mickey Mouse. Recuei
no tempo e me lembrei das figuras recortadas emmadeira de meu aparta-
mento em Ipanema, excessivamente coloridas, como nos primeiros filmes
da Disney. Mais tarde fiz relevos em madeira aproveitando não apenas a
figura de Mickey Mouse, mas a experiência visual de Chichen Itzá como
um todo. Foram obras como
Bloco Pobre
,
Caixa de Morar
,
Algum Multidões
e
A marmita
.