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RETALHOS DA CIDADE
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Rubens Gerchman
Vivi em muitas cidades. Elas me trazem imagens desordenadas, desprovi-
das de cronologia. São para mim como mapas abertos. Todas, porém, de
enorme importância na confecção de minha obra.
Com 20 anos aprendi a percorrer os mapas de Nova Iorque. Logo descobri
o labirinto colorido de seus transportes. No Metrô, recordo o macacão de
Torres García pintado com o nome das ruas de Manhattan. Logo aprendi
a locomover-me com maior rapidez e a alcançar os objetos mais distan-
tes com precisão. Aos poucos chegava onde queria. Ficava encantado com
esta mobilidade fácil. Tomava três ou quatro linhas diferentes, trocando de
níveis várias vezes, saltando em estações desconhecidas para esperar por
novos trens. Transformei-me numa espécie de “rato subterrâneo” e, leitor
acurado dos mapas coloridos, logo sabia de cor o nome de quase todas as
estações, o valor de um “A train” ou de um “F train”.
Muito tempo mais tarde, quando vendi algumas obras e coloquei a vida
em dia, tomei um taxi e percorri a Ilha de Manhattan inteira, bem deva-
gar, refazendo os trajetos dos subterrâneos do metrô. Tambémmais tarde
compreendi que a leitura de tantos mapas me estimulou a criar obras con-
ceituais como a
Nova Geografia
, de 1970 e o
Você é cru ou cozido?
, de 1972.
Outra vivência marcante de Nova Iorque decorreu do fato de ter sido mora-
dor do Bowery, região fronteiriça do Soho, então zona fabril habitada por ar-
tistas em busca de aluguéis mais baratos e espaços mais amplos. O Bowery
era ocupado por hordas de
bums
(sem teto), pessoas que vagabundeavam
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GERCHMAN, Rubens
. Retalhos da cidade.
Documento impresso, s.l. [Rio de Janeiro], s.d. [1995].
Escritos do artista como parte do processo criativo para sua coluna no Caderno Opinião do Jornal
O Globo
, Rio de Janeiro, 1995. (N.O.).